Vida

Bootcamp Be Water: A forma da água

Quando o mestre Bruce Lee entoou o famoso mantra “seja água, meu amigo” na série Longstreet, de 1971, ele não estava apenas aconselhando um policial com sede de vingança, mas desejando a toda uma geração a habilidade de se adaptar.

O conceito não é novo, conforme nos mostrou Charles Darwin mais de cem anos antes de Bruce, na obra Sobre a origem das espécies através da seleção natural:

não é o mais forte e nem o maior que, necessariamente, sobrevive. É o que melhor se adapta ao seu habitat.

Segundo Darwin, o nascimento e o extermínio das espécies ocorrem através do princípio da tentativa e erro. Os primeiros homens e mulheres que habitaram a Terra deram suas mancadas para que a espécie aprendesse a se defender; talvez muitos tenham chegado perto demais de um animal feroz para que a espécie entendesse que isso era perigoso, ou tentado andar sobre o fogo antes de perceber que essa era uma má ideia.

O que Bruce Lee diz em seu mantra “seja água” é que levemos em consideração todo o processo de tentativa e erro que nos trouxe até aqui e que pode (ou não) nos levar ainda mais longe. Ele aconselha que, em vez de ficarmos sempre presos a uma única forma, um único jeito de pensar e fazer as coisas, sejamos como a água, que assume a forma que o recipiente tem e, assim, se torna encaixável em qualquer contexto.

É estar, como nos sugeriu também um certo Raul, dois anos depois de Bruce, a estar sempre em uma metamorfose ambulante. Aliás, você já parou pra refletir sobre o que, realmente, é uma metamorfose ambulante? Metamorfose é a condição de algo em constante mutação em sua forma e estrutura, natureza ou hábito. Ambulante é aquele que se move, que migra, que não se mantém fixo. A metamorfose ambulante é a modificação em movimento, a mudança que nunca para, pois parar vai contra sua natureza e seu sentido.

A água é uma metamorfose ambulante – e ser água é o que pode trazer sobrevida à espécie humana.

Mas essa não é uma aula de biologia ou música!

Quem me dera ter todo esse repertório! ;p

Essa introdução é só pra contextualizar o que vimos na segunda semana do Be water, bootcamp da Profissas que juntou Darwin, Lee, Seixas e tantos outros nomes inesquecíveis na releitura de conceitos eternos. A habilidade de se adaptar nunca foi tão urgente quanto nesse ano de 2020, que nos mostrou algo que, muitas vezes, fizemos questão de esquecer: o mundo não gira de acordo com nossa disponibilidade.

O que acontece fora do nosso alcance não deveria nos “obrigar a mudar”, mas nos inspirar a continuar em movimento. Foi basicamente isso que pessoas geniais nos mostraram em bate-papos riquíssimos sobre criatividade, rede e marca pessoal, os temas da última semana de encontros online da primeira turma da Profissas.

Criatividade para mudar

No módulo de criatividade, conduzido pela Nati Fassina, do Instagram @semeiaecria, vimos que a diferença entre uma ação criativa e uma não-criativa é que a não-criativa responde a um padrão pré-definido.

Se você está se sente febril, por exemplo, vai usar uma ferramenta já definida – o termômetro – para estabelecer seu nível de febre. Posteriormente, vai procurar um especialista que, baseado em padrões também já definidos, indicará o protocolo de tratamento a ser seguido.

Embora tenha exigido muitíssima criatividade de Galileu, que inventou o termômetro em 1602, hoje em dia sua usabilidade não nos traz nenhum mérito. Qualquer pessoa alfabetizada consegue checar um termômetro, interpretá-lo e escolher o que fazer com a informação dada pelo instrumento.

Já a ação criativa não responde a padrões, e sempre demanda um repertório de conhecimento prévio para ser colocada em prática. Leonardo Da Vinci é um dos maiores símbolos da ação criativa, com um portfólio que vai da catapulta à Mona Lisa. A cada novo aprendizado em artes, matemática ou biologia, sua mente voava a lugares considerados impossíveis.

A propósito, ele também foi o inventor do paraquedas. 😉

A criatividade não é sinônimo de imediatismo, ou de trazer à tona algo nunca antes revelado, uma inovação inédita, por assim dizer. Criatividade é sinônimo de imaginação – e você não precisa de muito mais que uma janela aberta e olhar observador para trabalhar as engrenagens do seu pensamento.

Sem criatividade, só nos sobra o padrão – e o que fazer com o padrão quando mudanças drásticas (alô, 2020!) não vem acopladas a um manual de instruções?

Essa, caros e caras, é a importância de se manter criativo. Pra nossa sorte, essa é uma habilidade que todo mundo pode desenvolver.

Colaboração para alcançar

Quantas vezes você já ouviu dizer que ninguém conquista nada sozinho? Essa não é uma grande novidade, certo? Nem mesmo atletas de esportes individuais, como tênis e salto com vara, estão sozinhos nos pódios olímpicos: por trás da pessoa que ascende existe uma rede se suporte dedicada a levá-la ao topo.

O que nem sempre fica muito claro é como construir essa rede. Networking é um tipo de palavra que a gente também ouve em tudo quanto é canto, principalmente nos intervalos de eventos em volta de mesas recheadas de quitutes, mas ela, sozinha, é insuficiente.

Victor Martins, especialista em diversidade e inclusão na Nubank, conduziu o papo sobre hipercolaboração e nos mostrou que nem só de cartões de visita vivem as boas redes de contato. É preciso, literalmente, botar a cara no sol, mostrar a cara a que veio e bater em portas que, sem essa atitude, continuarão fechadas.

Foto: Instagram @semeiaecria

A hipercolaboração vai além do simples networking: é a construção de uma sólida rede que tem como princípio o que cada membro tem a oferecer e a absorver de seus pares. Para começar a construir esse tipo de relacionamento, precisamos ter criatividade, ousadia e coragem para nos adaptarmos a ambientes e momentos que podem, a princípio, parecer obscuros ou inóspitos.

Um exemplo: em vez de ter uma gaveta cheia de cartões de visita de gente cuja mão você apertou alguma vez na vida, trabalhe em uma lista de contatos que, de fato, possam lhe ser úteis agora ou no futuro – dando a cada um uma característica bem específica.

Aproveite as redes sociais, especialmente o LinkedIn, para otimizar esse processo.

Não precisa adicionar todo mundo como amigo ou contato, mas é possível adicionar pessoas que possam ampliar seus horizontes de carreira em momentos de muita incerteza, como agora.

Propósito para entender

Mas, mesmo com a coragem e ousadia que demandam os processos de hipercolaboração, e a criatividade e o repertório que fazem com que cada um de nós seja bom em alguma coisa, a pergunta que (quase sempre) fica no ar é: quenhé você e o que faz por aqui?

Ao mesmo tempo que parece uma resolução estúpida – eu sei quem sou! Eu sei o que faço, oras! –, é uma questão filosófica. Nem sempre sabemos quem somos; em boa parte das vezes, achamos que sabemos ou queremos acreditar que somos o que gostaríamos. Isso faz mais mal do que bem, na verdade, já que não é raro que nos limitemos muito enquanto existem inúmeras possibilidades por aí de ampliarmos nosso escopo de ser.

O Lucas Gomes, da OndaSkim, falou muito sobre isso no último dia do bootcamp Be Water: viver é sobre deixar legados. E qual você quer deixar? Entender qual é sua razão de ser, estar, permanecer e fazer não é uma utopia distante, mas uma necessidade latente de todo ser humano. O que nos move, é o que vai definir como nos portamos, o que criamos e em que grupos de colaboração podemos nos encaixar.

Ele disse: “um dos maiores erros na construção da marca pessoal é olhar apenas para fora, sem entender quem você realmente é”. E não é fácil entender quem somos… mas não é impossível. Ser água, se adaptar, estar em movimento e sempre criando, sempre compartilhando, é uma excelente forma de descobrirmos quem somos, porque estamos e o que deixaremos quando partirmos.

 

Esse é um breve resumo do que rolou na última semana do Be Water, o primeiro bootcamp da Profissas. Se eu pudesse resumir toda essa experiência em uma única frase, seria:

se não nós, quem? Se não agora, quando?

É preciso deixar essas perguntas no ar, incomodando, causando coceira, porque é a resposta a elas que nos salvará de potenciais novos momentos como os apresentados em 2020. Não precisa ter pressa para respondê-las; deixa arder mais um tiquinho.

Se você for água, como o mestre sugere, sua cabeça estará erguida para quaisquer que sejam os desafios a seguir.

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