Carreira

Mulheres atingem alto desempenho na liderança durante as crises

O “Conto de fada da mulher moderna”, de Luís Fernando Veríssimo, além de engraçado, provoca em nós uma reflexão a respeito das conquistas femininas ocorridas ao longo dos séculos. Se, anteriormente, elas eram consideradas figuras frágeis e dependentes dos homens, hoje elas já conquistaram seus diretos e têm consciência de que são fortes. Mas, apesar de possuírem as mais valorizadas habilidades comportamentais requeridas no século XXI, enfrentam desafios no mundo corporativo.

Breve análise das conquistas femininas

Por muito tempo a figura feminina foi associada ao pecado, à fragilidade. As mulheres encontravam -se na dependência de   protetores do sexo masculino e não podiam se interessar pelas Letras, pela caça, pelas lutas. Confinadas, só tinham o direito de sair de casa acompanhadas. E só largavam o lar dos pais quando se casavam.

Foram queimadas vivas, acusadas de bruxaria, simplesmente porque não desgrudavam dos seus gatos pretos, de olhos amarelos, e inventavam receitas que curavam pessoas. Também foram tratadas como seres imbecis. Mas o tempo passou e, aos poucos, a passos lentos, muito lentos, as coisas foram mudando.

As transformações sociais que culminaram no empoderamento feminino não ocorreram de uma para outra, mas um dia as mulheres abandonaram os postos de “donas de casas”, arregaçaram as mangas e foram trabalhar nas fábricas e plantações, é claro, para ganhar menos que os homens.

As conquistas não pararam por aí. Elas quiseram se juntar a outras mulheres, para que um grito de liberdade e igualdade ecoasse pelos quatro cantos do mundo. O uníssono foi tão estrondoso que a voz feminina finalmente foi ouvida: até que enfim podiam votar!

Depois de tantos esforços, lutando lado a lado, romperam, de uma vez por todas, com os grilhões de uma sociedade que enxergava a figura feminina apenas como “segundo escalão”. Conseguiram dissipar tabus e determinar o que realmente queriam, e passaram a assumir cargos de liderança.

Muitos podem não gostar, mas a figura da princesa prendada, que se casa com o príncipe encantado, para ser submissa a ele e atender a todos os seus caprichos, dando-lhe herdeiros do sexo masculino, para perpetuar a árvore genealógica da família, já era. As mulheres tiveram que esperar por séculos para conquistar um mundo até então dominado pelo machismo e pelo patriarcalismo.

 Mulheres e as soft skills

As mulheres do século XXI, muitas vezes, saem cedo para trabalhar e deixam as tarefas domésticas por conta dos maridos. Extremamente conscientes, elas fazem questão de divulgar a sustentabilidade em seus trabalhos e assumem uma postura profissional eticamente correta no seu dia a dia. Quem pensaria que elas assumiriam papéis tão relevantes em uma sociedade?

Quem diria que estudos científicos comprovariam um dia que as mulheres são mais competentes e ousadas que os homens, pois desafiam abordagens convencionais? Quem sonharia que seus principais diferenciais no mercado residiriam justamente nas características femininas como capacidade de ouvir e acolher pessoas, saber lidar melhor com emoções, e senso de ética mais apurado?

Em suma, tais qualidades fazem com que mulheres sejam capazes de inspirar e motivar e, consequentemente, engajar, desenvolver, e também de negociar com pessoas. Elas conseguem criar uma atmosfera de melhoria contínua e energizar colaboradores, para que assumam objetivos desafiadores, e levam os outros a pensar que podem ir além. Quer algo mais positivo que isso?

As líderes empresariais sabem reconhecer a necessidade de mudanças de rumo na condução de processos, na hora certa, e não hesitam em fazê-las. Elas são detentoras das soft skills mais requisitadas, entre elas, a resiliência, que é a capacidade de lidar com adversidades. E tem mais: o sexo “frágil” é capaz de executar diversas tarefas ao mesmo tempo, e possui intuição e percepção mais elevadas.

Mulheres focam em resultados, têm capacidade de inovar e perspectiva estratégica, apresentam mais controle emocional e transparência que homens. Além disso, elas são donas de uma comunicação poderosa e conseguem entender conscientemente seu próprio caráter, sentimentos, motivos e desejos. E por fim: elas são leitoras e aprendizes, sempre buscam melhorar suas habilidades pessoais e profissionais.

Pesquisas não mentem

Segundo pesquisa realizada pelo Fórum Econômico Mundial e pelo think tank Center for Economic Policy Research, chamada “Liderando a luta contra a pandemia: Gênero realmente importa?”, em livre tradução, os 19 países com lideranças femininas tiveram melhor desempenho para conter o avanço do coronavírus e, consequentemente, as implicações econômicas causadas pela Covid-19. O estudo conduzido por Supriya Garikipati e Uma Kambhampati, das universidades de Liverpool e Reading, avaliou 194 países e foi concretizado em junho de 2020.

A revista Harvard Business Review (HBR) de dezembro de 2020, que foca no mundo corporativo, divulgou um artigo espelhado em um levantamento feito com mais de 60 mil líderes, sendo pouco mais de 22 mil mulheres.  Realizada em 2012 e atualizada em 2019, a pesquisa revelou que elas são mais bem avaliadas em funções de liderança.

Escrito por Jack Zenger e Joseph Folkman, o artigo da HBR provou que, em termos de eficácia de liderança, mulheres são vistas como mais eficientes e tendem a ser ainda melhores durante as crises. Elas demonstraram notas superiores às dos homens em 13 das 19 competências relativas à liderança, perdendo para eles apenas em desenvolvimento de perspectiva estratégica e especialização técnica e profissional.

O estudo de Zenger e Folkman, realizado durante a primeira fase de Covid-19, entre março e junho 2020, que envolveu 454 homens e 366 mulheres líderes, confirmou que elas pontuaram significantemente de modo mais positivo que eles. Acesse aqui o material original.

Competências femininas relativas à liderança

Entre as competências de liderança destacadas na pesquisa, onde mulheres obtiveram melhores pontuações estão: tomada de iniciativa, agilidade de aprendizado, capacidade de inspirar e motivar os outros e desenvolver pessoas. Elas também prevaleceram nos quesitos construção de relacionamentos, demonstração de integridade e honestidade, comunicação poderosa e fecunda.

As líderes foram melhor avaliadas em: senso de colaboração e equipe, tomada de decisões inovadoras, resolução de problemas e análise de questões. Mulheres sobressaíram-se em relação aos homens nos assuntos: cliente e foco externo, busca por resultados, diversidade de valores e estabelecimento de metas rígidas. Elas também tiveram desempenho acima do sexo masculino em   desenvolvimento de perspectiva estratégica e disposição para assumir riscos.

Generosidade X necessidade

Os estudos citados acima comprovam que as mulheres são muito boas líderes em crises, incluindo a que vivenciamos contra a Covid-19 e suas implicações econômicas e financeiras. Por isso é cada vez mais comum empresas inserirem mulheres em cargos de liderança em períodos conflituosos, como o que enfrentamos com a pandemia.

Paralelamente, as corporações sentem-se interna e externamente cada vez mais pressionadas para aumentar a diversidade de seu quadro de funcionários e inserir mulheres, negros e minorias em cargos de liderança, pois funcionários e investidores   não abrem mão da boa gestão corporativa, que inclui mudanças no ambiente de trabalho. De acordo com a MacKinsey (2020), instituições com mais diversidade de gênero e étnico/cultural têm mais chances de terem melhores resultados financeiros. Não é à toa que mulheres estão subindo em seus postos de trabalho e alcançando posições nunca antes conquistadas.

Empresas e países que atentam para o futuro querem mulheres em posições de liderança, pois elas são mais compreensíveis para lidar com valores como vida, saúde, dignidade humana e com conflitos éticos que são inimigos da produtividade. A incorporação do gênero feminino nos altos escalões das corporações assegura decisões mais maduras e, consequentemente, ambiente de trabalho, mercado, economia melhores. Para se ter uma ideia, nos Estados Unidos, todas as empresas do S&P 500 (um dos maiores índices de mercado do mundo) têm uma mulher no conselho.

No Brasil, o Programa Diversidade em Conselho visa contribuir para que mulheres preparadas para atuar em conselhos tenham maior visibilidade no mercado por meio de troca de experiências, aprendizado e fortalecimento de seu network, com apoio de profissionais reconhecidos no mercado e experientes na atuação em conselhos. Desde 2015, centenas de profissionais passaram pela mentoria.

E quanto ao “penhasco de vidro”?

“Penhasco de vidro”, do inglês glass cliff, representa uma barreira invisível. Pouco utilizado no Brasil, o termo refere-se à situação de mulheres ou pessoas negras promovidas a uma posição de liderança sênior em um momento difícil, onde o risco de fracasso é alto.  É fato que as mulheres estão alcançando a igualdade de gênero, mas elas assumem mais poder em meio a crises e cenários incertos.

Nem tudo são flores

Dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), relativos a 2019, mostram que o Brasil é o 107º país em diferença de renda entre homens e mulheres. E, segundo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), referente ao terceiro trimestre de 2020, no país, as mulheres ganham menos que os homens em todos os Estados e no Distrito Federal. Para piorar, a previsão de futuro não é nada otimista: parte dos empregos que existirão em 2030 no mundo ainda não foi criada e as grandes oportunidades estarão nas áreas de Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, que têm menor presença feminina, por questões culturais.

Desafios na governança corporativa

Pesquisa realizada pela Deloitte, que envolveu 8 mil empresas, mostra que o maior desafio na governança corporativa é a morosidade das mudanças para alcançar a equidade de gêneros. A empresa realizou um estudo com 8 mil corporações de 66 países e constatou que somente 16,9% dos cargos de liderança em todo o mundo são ocupados por mulheres. De acordo com a análise, o Brasil está na 38ª posição no ranking de 66 países, com apenas 8,6% dos postos de liderança exercidos por mulheres.

O que é mais comum de se ver são homens em cargos superiores que dificultam a promoção de mulheres, que não permitem sua participação em reuniões, que não apostam em suas competências, que não dão oportunidades para que elas demostrem seus trabalhos. Consequentemente, apesar de estudarem mais que eles, elas ficam estagnadas em suas carreiras, impossibilitadas de assumir cargos de liderança (fenômeno conhecido como “teto de vidro”, que deriva do inglês glass ceiling).

É inegável que as mulheres atingiram um novo estágio, pois conseguiram conquistar espaço no mercado de trabalho e na política. Por outro lado, é inquestionável que as desigualdades entre homens e mulheres ainda são frutos de uma herança histórico-cultural disseminada por séculos em nossa sociedade. Não posso deixar de concordar com a frase de autoria desconhecida: “A desigualdade não é natural, mas a criação do homem para manter a sua supremacia”

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