Carreira

Como convencer o cliente que freelancer é trabalho sério

Há alguns anos, o freela era uma atividade absolutamente anexa à qualquer outra profissão que a pessoa tivesse na vida. É programador de agência, mas faz freela. É jornalista, mas faz freela de revisão. Dá aula de matemática no curso e faz freela de aula particular.

O freela era visto mais como um bico, ainda que tivesse toda a pinta de ser a profissão principal – ou rendesse até mais grana para quem o fazia. E, a partir desse entendimento das pessoas sobre o trabalho freelancer (de ser apenas o apêndice, e não o órgão principal), criou-se uma cultura muito perigosa no mundo corporativo: a de que o freela é um trabalho apaga-incêndio e, por isso, não precisa ser levado em alta consideração.

Como você pode constatar no seu calendário, os anos passaram e o tempo mudou. Hoje, muita gente vive só de freela e deu ao que antes era um “serviço à parte” ares de “primeira fonte de renda”. Muitos são os motivos para essa mudança, mas entre os principais podemos citar a insatisfação com empresas já consolidadas no mercado de trabalho, pagamentos abaixo dos padrões desejados e pouca flexibilidade na rotina corporativa, como a bateção desenfreada de ponto como se só isso fosse sinal de produtividade.

Isso tudo sem contar as pessoas que tinham que lidar com chefes chatos, que podavam sua criatividade ou sua vontade de crescer na carreira, equipes com crenças limitantes e sonhos ficando cada vez mais pequenos dentro das paredes de um escritório.

Muita gente que quis se libertar disso e tentar a sorte por conta própria acabou apostando todas as fichas no trabalho de freela, mas se viu diante de um desafio enorme: mostrar que, ainda que não haja carteira assinada ou promessa de startup milionária, trabalhar de freelancer é uma profissão séria e compromissada e, por isso, deve ser valorizada à altura.

Se os seus clientes ainda não entenderam esse recado, eis abaixo algumas dicas de como mostrar que não, você não vai “só” fazer um bico e, por isso, não pode receber só quinze reais por sete horas de serviço.  

Comece pelo começo: o que é freelancer?

O cliente que você vai prospectar precisa entender exatamente o que você faz antes de contratar o serviço, então você precisa dar nome aos bois.

Se já trabalha em uma empresa e faz freela como complementação de renda, por exemplo, é bom falar que você vai atuar dentro de determinados horários, em que ele pode te procurar. Assim, você evita que o cliente te ligue no meio do dia enquanto você está em reunião pela sua empresa “oficial”.

Se você é freela por opção de carreira e não tem laços com nenhuma empresa, conte para o cliente que seus diferenciais são a flexibilidade de horários e o preço justo. Assim, ele sabe que você provavelmente não vai cobrar tão caro quanto uma empresa do segmento, que tem que pagar espaço físico, salário de vários funcionários, etc., mas também se dá conta – pelo menos a gente espera – que não é a festa da uva.

Não vai ser quase de graça só porque você é freela, vai ter o preço ideal justamente porque você é freela: como se especializou no trabalho e pode escolher seus clientes, faça o prospect se sentir especial mostrando que o serviço vale exatamente quanto custa.

E existe, também, a possibilidade de você ser freela com CNPJ, através de um cadastro de MEI (Microempreendedor Individual) ou Microempresa. Nesse caso, é mais fácil para o cliente entender que se trata de uma empresa menor prestando o serviço do que uma pessoa – e que, se for preciso, ele terá a nota fiscal para declarar na sua contabilidade.

O MEI hoje é uma boa opção pois os encargos são bem baixos e seu limite anual de faturamento atende bem à maior parte das profissões: atualmente, é possível emitir 80 mil reais/ano em notas fiscais sem precisar mudar de “categoria” empresarial.

Depois de escolher o estilo de freela que você vai comunicar ao cliente é hora de partir para o passo dois.

Antes do serviço, o contrato

Um freela que vai apenas fazer um acordo informal com seu cliente corre um risco pior do que não ser levado a sério: não ser pago. Aliás, isso é um novelo de lã que vai se desfazendo conforme a prestação de serviços anda. Se o cliente não te levar a sério desde o início, grandes são as chances de ele achar que você pode passar três meses sem receber porque ele teve um imprevisto pessoal.

A melhor forma de evitar ao máximo que isso aconteça é estabelecendo um contrato. Ele não é, com certeza, um atestado de que o calote não vai acontecer jamais – mas pelo menos já dá a carteirada de que você não está nessa pra brincar de ser profissional.

Mesmo que o cliente seja fofo, seja seu amigo de anos ou seja seu tio-padrinho, evite começar qualquer trabalho sem o tal do contrato, mesmo porque ele é um sinal de que o próprio cliente vai ter garantias quanto à sua solicitação. E, você já deve saber, uma das grandes desconfianças quanto ao trabalho do freela é o recebimento dos trabalhos que foram pedidos…

Antes do contrato, o compromisso

Não adianta tapar o sol com a peneira: por muitos anos foram os próprios freelas que desmoralizaram esse tipo de trabalho, ao não entregar no prazo, com a qualidade ofertada e, em alguns casos, não entregar absolutamente nada.

Seguindo minha tradição de sempre contar um caso pessoal nos textos #Profissas, lá vai: era uma vez uma menina que começou a fazer freelas de texto (eu) para ganhar experiência na internet. O ano era 2010. Logo os pedidos aumentaram e eu tive que pedir ajuda externa para atender a um cliente específico.

Uma amiga na época estava precisando aumentar sua renda e eu perguntei se ela toparia entrar em um serviço comigo. Ela não pensou duas vezes e deu o recado: posso fazer esse freela todo dia à noite, depois das 19h, durante uma semana – que era o tempo que eu precisava. Ela faria alguns textos, enquanto eu faria outros. No sábado, eu revisaria os textos dela e, no domingo, eu entregaria ao cliente o material completo.

Qual não foi minha surpresa quando, na sexta à noite, ela avisa que só me mandaria quatro dos dez textos combinados porque ela teve muita dor de cabeça durante a semana.

Devo confessar que nunca me compadeci tão pouco com uma crise de enxaqueca. ;p

No sábado, fiz os que estavam faltando dela, o resto dos meus, me virei como pude mas, ainda assim, tive que pedir mais dois dias de prazo para o cliente – coisa que eu odeio fazer. O resultado foi que tudo deu certo, mas essa amiga saiu definitivamente da minha listinha de indicações (de freela ou não) e eu passei muitos anos sem confiar em um freela novamente.

Hoje entendo que provei do próprio veneno das minhas convicções, pois achava que só a fonte de renda extra era o suficiente para atrair força de trabalho. Agora, só solicito freelas – e sugiro para os outros – que tenham os seguintes diferenciais:

  • preço justo,
  • compromisso com prazo,
  • compromisso com a qualidade,
  • entendimento de que o cliente é importante, e não apenas qualquer um que passou e jogou uma nota de dez reais da janela do carro,
  • entendimento de que se, por algum motivo, o valor acordado para o serviço está abaixo do que o freela queria, isso não é um problema do cliente.

Afinal, o freela tem a expertise e a força de trabalho que o capacitam a negociar sob seus próprios termos. Se o valor é baixo, má vontade não é resposta para a falta de planejamento ao fechar um contrato.

É preciso mostrar que freela é trabalho sério, também, através de maturidade emocional. Ninguém vai contratar uma pessoa que discute com o cliente sem motivo, que é mal educado, que reclama de tudo. Se você se comprometer a prestar um serviço, espera-se que tenha se antecipado a estudar o cliente, ver seus níveis de carência e entender se ele seria alguém para quem você gostaria de trabalhar.

Se não fez isso, engole o choro e se lembre de ter mais cuidado na próxima. O freela que é sério entende que cada adversidade é uma lição aprendida – e, através dos erros e acertos que comete no caminho, consegue, finalmente, consolidar uma imagem profissional exemplar. Com sorte e trabalho duro, ela vai custar muito caro.    

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