Vida

Coisas que a greve dos caminhoneiros nos ensina sobre a vida

O Brasil viveu, no finzinho de maio de 2018, uma semana bem atípica. Dessas pra ficar na história e absorver bastante conhecimento sobre os fatos, aprender com os erros e não mais repeti-los.

Tudo começou quando a Petrobrás subiu o preço do diesel, principal combustível utilizado pelos caminhões que transportam, diariamente, todo tipo de carga pelas estradas brasileiras. Com a paralisação, que durou dez dias, a população descobriu que esse é o principal modal de transporte de insumos do Brasil, responsável por mais de 80% das idas e vindas do que move a economia do país.

O resultado foram dias de racionamento de recursos básicos, como combustível, comida e gás de cozinha.

É aí que os valores começam a se inverter…

A falta de combustível foi o primeiro sinal de uma sociedade que, veja só, está absolutamente refém de seus carros. Como os grandes centros brasileiros não dão estrutura e incentivo adequados para que a população utilize bicicleta e outros meios de transporte autônomos (como as próprias pernas, em alguns casos), acabamos por ver um completo desespero generalizado para o abastecimento dos veículos à gasolina ou etanol.

Filas quilométricas fizeram milhares de pessoas perderem o tempo com a família e os amigos só para esperar um pouco mais por alguns litros de gasolina. Teve gente que mandou crianças e idosos segurarem galões nas filas dos postos – algo extremamente perigoso – só para garantir que não faltaria o combustível para a semana.

Alguns lugares do Brasil registraram brigas com violência física por um litro a mais, enquanto os donos dos postos de combustível começaram, de maneira irresponsável, a subir os preços sem nenhuma justificativa (lembre-se que tudo isso começou porque o combustível é tarifado junto à Petrobrás, o que impede o empresário final de aumentar ou diminuir seu preço só porque ele quer).

É nessa parte que a greve dos caminhoneiros nos mostra algo a mudar tanto na nossa carreira quanto na nossa vida pessoal:

#1 Precisamos abraçar a inovação

Primeiro, porque não é possível que um país do tamanho do nosso esteja baseado em um modelo de transporte tão centralizado quanto a carga de estradas.

Um país que ainda roda pelas estradas a maior parte de seus insumos não pode querer ir muito longe, principalmente quando a gente se dá conta da qualidade dessas estradas e dos esforços além da medida que muitos trabalhadores fazem para tirar daí o seu sustento.

Segundo que já passou da hora de não dependermos mais de carros e de ônibus. É preciso que a sociedade entenda que esses bens de consumo são úteis, mas não podem ser essenciais, e que cobre dos governantes a segurança e a tranquilidade de usar transportes alternativos, como a bike, o skate e os patinetes motorizados.

E, se for pra continuar contando com carros, ônibus e caminhões, que tal utilizar a versão elétrica desses modais? O combustível fóssil é finito e gera poluição e diversos transtornos, incluindo os econômicos. E se você é desses que mandou seu sobrinho mais novo ou avó para ficar na fila do galão de gasolina, já passou da hora de saber que esse recurso é altamente explosivo e coloca a vida das pessoas em risco.

Talvez seja por isso que não vemos galera andando com combustível nas mãos pra lá e pra cá, né?

Portanto, aprenda essa lição de vida: não existe atraso maior do que se escorar nas soluções do passado. O mundo está mudando, a tecnologia traz novas opções e insistir em gostar do que já deixou de ser novo é não ter lugar no futuro. Que, de acordo com as previsões da Singularity University, está mais presente do que a gente imagina.

E a lição de carreira é: se você tem soluções e ideias viáveis de negócios que podem melhorar esse cenário a partir de agora, apresente a investidores ou comece desde já a colocá-las em prática, porque pode ser um ótimo início de empresa.

Você pode mudar o mundo – e pode acreditar que essa bagunça toda pelo preço dos combustíveis não acabou, então você ainda está em tempo.

#2 Precisamos nos solidarizar em esfera coletiva

Uma pesquisa recente do Datafolha mostrou que 87% dos brasileiros apoiam a greve dos caminhoneiros. Muitas pessoas, de fato, viram que essa classe estava lutando em prol de melhorias não só para eles mesmos, mas para todo o Brasil.

Tirando de cena os motivos pelos quais a sociedade deve ou não deve apoiar e/ou acreditar em manifestações de classe, fica aqui a pergunta: por que em alguns setores – coincidentemente, aqueles que mais mexem nos nossos bolsos – são cunhados como salvadores da pátria em sua manifestação enquanto outros não recebem o mesmo reconhecimento?

Os professores são um exemplo da empatia seletiva do povo brasileiro: a cada vez que saem às ruas pedindo melhorias salariais e de trabalho em geral, são vistos como estorvos. Afinal, fecham as ruas. As escolas. Estão sem trabalhar, prejudicando os estudantes…

… está aí uma ótima razão para vermos com mais carinho as reivindicações das pessoas que constroem o país em diversos outros setores de trabalho, ainda que elas não deixem a gasolina faltar nos postos.

Outra coisa que a greve dos caminhoneiros ensinou, nesse sentido, é que por mais que gostemos de acreditar que somos o centro dos acontecimentos, não estamos só no universo, no mundo, no país, no estado, na cidade e sequer na própria rua.

Em BH, onde moro, os supermercados estavam cheios de suprimentos, mas em dado momento não tinha mais como comprar as coisas no mercado pois não havia ninguém para abrir as lojas. Os ônibus até tinham combustível, mas como motoristas e cobradores chegariam até as garagens para trabalhar?

O pedreiro, o porteiro, a diarista, a dona da loja, o empresário da tecnologia e o presidente da indústria de medicamentos, todos eles ficaram em casa por falta de gasolina ou de opções viáveis de transporte.

É aí que a gente começa a dar mais valor para quem divide o centro urbano com a gente. Sabe aquele cara que você nunca cumprimenta, porque nem sequer o enxerga? Pois é: a greve nos mostrou que todos fazemos parte de um grande ecossistema, e que nenhum é melhor que o outro.

Não importa quanto dinheiro, prestígio ou status você tenha, se não houver alguém para trabalhar “e te servir”, seu dinheiro, prestígio e status não servirão para nada.

Importante lição de carreira além dessa lição de vida: está mais do que na hora de nos desligarmos da necessidade de trabalhar dentro de um escritório, só para usar o computador da empresa.

Muita gente, em muitos setores, não precisaria enfrentar duas horas de trânsito por dia, ida e volta, só para deixar feliz o status quo das relações de trabalho, simplesmente porque pode desempenhar as funções de casa, do conforto do seu lar. E mais: desenvolvendo valores importantes, como responsabilidade e disciplina, e gerando uma economia financeira palpável aos empregadores.

Se todo mundo conseguir enxergar que alguns trabalhos foram feitos para o home office, o mundo será um lugar melhor. Quem conseguiu encontrar essa oportunidade na crise dos caminhoneiros para provar um ponto vai sentir as melhorias a partir de agora.

#3 Precisamos renovar as esperanças na política

Por fim, uma grande lição que tiramos disso tudo é que o país precisa se renovar para inovar. Se continuarmos apostando em velhos nomes, fazendo política de curral eleitoral, jamais teremos as mudanças que queremos.

Quer um exemplo? Os caminhoneiros conseguiram suas reivindicações junto ao governo que rapidamente sinalizou ter que aumentar os impostos da população para subsidiar o preço do diesel.

Pera lá: por que não cortar alguns privilégios do Executivo, Legislativo e Judiciário, em esfera nacional, para fazer a conta fechar? Porque alguns podem acumular salários inapropriadamente, visando uma regra feita há anos e anos atrás – e que não mais se sustenta – enquanto o povo tem sua luz, sua água e outros insumos aumentados para pagar os acordos do governo?

Isso faz sentido?

É bom lembrar que não adianta só culpar o governo atual por tudo isso, já que o sistema político brasileiro é chamado dessa forma por um motivo: está institucionalizado. Para quem já está lá, só funciona assim. Lembra dos Odebrecht contando em delações que a corrupção está no governo há mais de 30 anos?

Pois é.

Esse ano é de eleição, então precisamos nos mobilizar para votar com consciência. Escolher qualquer um porque nada vai mudar é o primeiro passo para que nada mude, de fato. Você não está cansado disso?

Para um Brasil melhor em cinco passos, é preciso:

  1.     Que as pessoas se interessem genuinamente por política;
  2.     Que procurem saber – e questionem – dos seus candidatos quais são as reais limitações de cada um para as coisas que prometem (afinal, tem coisa que um vereador não pode fazer, mas ele fala que pode porque sabe que a população vai acreditar);
  3.     Que não briguem nas redes sociais ofendendo os coleguinhas que não votam por seu partido ou votam no candidato menos querido. Se você acredita que sua opção é melhor que a dela, argumente, com civilidade, os seus pontos, e escute o que o outro tem a dizer. A melhor forma de mudar o mundo é pelo diálogo;
  4.     Que deixem de pensar no aqui e agora para pensar a longo prazo. Um dos grandes problemas dos políticos é que eles não pretendem solucionar problemas, e sim fazer um projeto de poder, que dure vinte ou trinta anos para eles. Esse é o longo prazo errado. O longo prazo certo é a reflexão das escolhas que podem ser feitas agora para que, daqui 20 ou 30 anos, o país realmente esteja melhor;
  5.     Que parem de achar que só a internet sabe das coisas. Os livros de história estão repletos de acontecimentos que podem nos dizer sobre o futuro, assim como as experiências das pessoas e os veículos de imprensa que ainda têm como principal valor o compromisso com a verdade. As correntes de WhatsApp ou o textão lacrador da sua amiga no Facebook não podem ser as suas únicas fontes de informação.

Temos certeza que, ao seguir esses passos, o eleitor brasileiro conseguirá fazer a diferença onde ele realmente pode: na urna.

E, com o tempo, essas lições sobre inovação, cidadania, preocupação com o meio ambiente e gosto pela política – que, ao contrário do que muita gente pensa, se discute, sim – o país vai ficando melhor.

Existe uma máxima na aviação que é a de estudar a fundo cada desastre aéreo para que o que causa um acidente jamais volte a acontecer. Por isso são tão raras as tragédias – e nunca iguais às anteriores, quando ocorrem. Nessa lógica, caminhamos para um futuro sem erros na aviação, com um meio de transporte cada vez mais seguro e distinto.

Que tal usar a greve dos caminhoneiros para destrinchar todos os pontos de conflito e aprender sobre cada um deles? Ver a cidade e as pessoas de outra forma? Abraçar a inovação como parte natural do processo de evolução humana?

Se formos tão cuidadosos quanto os órgãos de aviação, jamais veremos algo como a última semana de maio de 2018 acontecer novamente. A notícia boa é que só depende de nós. E, se ficarmos de braços cruzados, a notícia ruim é exatamente a mesma.

Se tiver aprendido algo pessoal ou profissional com a greve dos caminhoneiros que não estiver nesse texto, deixe a contribuição nos comentários!

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